A incidência do imposto de herança sobre patrimônios de brasileiros no exterior (ITCMD) foi finalmente julgada pelo STF no último dia 26 de fevereiro que decidiu por sua inconstitucionalidade. A discussão na suprema corte iniciou-se em 2017 após o questionamento judicial de diversos contribuintes.
Primeiramente, é importante lembrar que a Constituição Federal (C.F.) concedeu aos estados o poder de instituir o ITCMD, conforme o Artigo 155, Inciso I:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; […]
Com esta prerrogativa, alguns estados adicionaram em seus regulamentos locais a tributação sobre toda e qualquer doação e herança recebida, porém ignorando a limitação imposta pelo § 1º, Inciso III deste mesmo artigo da C.F.:
§ 1º O imposto previsto no inciso I: […] III – terá competência para sua instituição regulada por
lei complementar: a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior; b) se o de cujus possuía bens,
era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;
Ou seja, apesar da C.F. repassar aos estados o poder de legislar sobre o ITCMD, havia uma limitação quando se tratava de patrimônio internacional, detido por residente no Brasil ou de doação recebida de não residentes no Brasil, tendo a necessidade de uma Lei Complementar para legislar especificamente nestas situações.
Em virtude da falta de publicação de uma Lei Complementar, até o julgamento do STF, o tema era bastante nebuloso gerando grandes controvérsias entre os governos estaduais e os tribunais de justiça. Por exemplo, o Tribunal de Justiça (TJ) do estado de São Paulo é o que mais possui ações contra o ITCMD e reconheceu que não há previsão legal para a cobrança, já o TJ do estado do Rio de Janeiro entende diferente e confirmou que o imposto é devido pelos contribuintes cariocas.
A discussão que terminou com a decisão majoritária do STF pela inconstitucionalidade do imposto, se iniciou pela cobrança do ITCMD pelo estado de São Paulo em virtude de uma doação de um residente na Itália a um residente no Brasil, no ano de 2014. Por conta de diferentes interpretações, ser uma questão constitucional e que afeta a todos os brasileiros, a discussão foi levada ao STF em 2015.
Desde então, todos os processos relacionados ao ITCMD sobre heranças no exterior estavam suspensos e aguardando o julgamento da suprema corte.
Após a primeira votação, em 23 de outubro de 2020, e o pedido de vista do processo pelo Ministro Alexandre de Moraes, o tema foi encerrado no final de fevereiro deste ano com o placar de sete votos a quatro, contra a tributação do ITCMD para patrimônios herdados no exterior, por ausência de Lei Complementar que trate sobre este imposto.
Os efeitos da decisão se aplicarão aos fatos geradores (doação ou herança) a partir do dia de publicação do acórdão e às ações judiciais que estão aguardando o pronunciamento do STF. Ou seja, os contribuintes que já efetuaram o pagamento do imposto, sem o devido questionamento judicial, não poderão solicitar ressarcimento. Já os contribuintes que receberam a herança, mas não efetuaram o pagamento do imposto, podem até a publicação do acórdão questionar judicialmente e aproveitar esta decisão do STF.
Atenção: a doação de patrimônio no exterior realizada por residentes no Brasil possui tributação do ITCMD, independente se quem está recebendo o valor é ou não residente no Brasil. A dúvida sobre a tributação estava relacionada a doação de não residentes a residentes no Brasil – Art.155, § 1º, Inciso III, item a) da C.F. Isto é, caso um residente no Brasil doe dinheiro, uma empresa, imóvel, investimentos ou qualquer outro ativo no exterior, a regra do ITCMD é a mesma de patrimônios no Brasil, com tributação de até 8% a depender do estado de residência do doador.
A decisão gera uma economia aos herdeiros de brasileiros donos de ativos internacionais, que deixarão de pagar o imposto até o limite atual do ITCMD de 8%, conforme Resolução nº 9 de 1992 do Senado. Apesar da tributação sobre heranças no Brasil ser bastante reduzida frente a outros países (ex.: nos EUA o imposto pode chegar a 40%, veja aqui) e além de questões relacionadas a diversificação de moedas, essa economia se mostra mais uma vantagem relavante ao investir internacionalmente, veja abaixo um exemplo de tributação do ITCMD para um residente no Rio de Janeiro e São Paulo, investindo o valor de US$ 1,000,000 no Brasil:
Percebe-se que, a depender do estado de residência do investidor, a tributação pode mudar significativamente. Neste exemplo, caso o investidor fosse residente em SP, o imposto seria de aproximadamente R$ 230.000, e de aproximadamente R$ 422.000, caso o investidor fosse residente no RJ. Para ambos os exemplos, conforme a decisão do STF, caso o mesmo valor de patrimônio estivesse alocado fora do Brasil, não haveria qualquer tributação.
A não tributação sobre heranças no exterior de residentes no Brasil abre mais uma grande oportunidade de planejamento familiar e sucessório e ratifica ainda mais a necessidade de investidores brasileiros considerarem a internacionalização do patrimônio como uma medida de proteção ao seu legado financeiro e economia na passagem do patrimônio aos herdeiros.
¹ Conforme a Lei 10.705/2000 do estado de SP, o ITCMD no estado de São Paulo possui alíquota fixa de 4%.
² Alíquota efetiva para o valor de patrimônio do exemplo. Conforme a Lei 7.786/2017 do estado do RJ, a tributação do ITCMD é progressiva e varia de 4% a 8%.
Atualmente, realizar investimentos internacionais é um processo muito fácil, contudo, é necessário cuidado para evitar exposição desnecessária a riscos e ao cumprimento de todas as legislações locais para aproveitar oportunidades de racionalização tributária.
É fundamental que o investidor avalie além dos custos para se manter uma estrutura internacional, os trâmites burocráticos do país offshore, eventuais riscos patrimoniais, tributários e sucessórios específicos do país, sendo muito importante o envolvimento de profissionais capacitados e especializados neste tema.
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Sócio responsável pelo estudo e modelagem das estratégias de planejamento patrimonial tributário e sucessório para investidores internacionais.
Liderou centenas de estruturações e reestruturações das mais variadas complexidades envolvendo, além do Brasil, países como Estados Unidos, Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Bahamas, Portugal, dentre outros.
11 anos de experiência em estruturação e gestão de empresas, sendo os últimos 5 dedicados exclusivamente a área internacional. Anteriormente, ocupou posições de liderança na divisão de Financial Services da KPMG, sendo responsável pela gestão e execução de projetos de auditoria contábil de empresas brasileiras e multinacionais.
Contador e Auditor certificado (CNAI), com MBA em Gestão Financeira pela Fundação Getúlio Vargas Vargas e especialização em Gestão de Negócios pela Ohio University (Estados Unidos).
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