Durante os últimos anos, com o crescimento do e-commerce, fenômeno exacerbado pela pandemia, muito se falou na imprensa sobre o fim do varejo tradicional, cunhando-se até o termo “retail apocalypse”. Embora seja inegável o impacto do comércio on-line no varejo de rua, o que se tem, de fato, é um efeito heterogêneo nesse segmento imobiliário, com alguns tipos de varejo e certas cidades sendo mais afetados do que outros.
Do ponto de vista de investimento, abriu-se, então, grandes oportunidades de aquisição a preço descontado, justamente por uma percepção de risco muitas vezes desajustada à realidade dos negócios – imóveis com inquilinos saudáveis, contratos longos e fluxo de caixa estável a preços bastante atrativos. Isso, obviamente, considerando uma seleção criteriosa de ativos, em mercados resilientes, e operados por especialistas no segmento.
O mercado de varejo nos EUA é enorme e foi avaliado, em 2020, ano da pandemia, em US$ 5,57 trilhões, segundo dados do US Census Bureau. Esse valor supera o patamar de 2019, de US$ 5,40 trilhões, e demonstra que, mesmo em um ano turbulento, houve crescimento no setor.
Tipicamente, esse é um mercado segmentado em diversos tipos de lojas, cada qual voltado para um momento de compra e para um perfil de consumo específico. Assim, tem-se os “Malls”, nossos tradicionais shoppings centers, os “Outlets”, normalmente de vestuário de marca com desconto, os “Power Centers”, em que diversas lojas-âncora de grande porte (Walmart, Home Depot, Best Buy etc.) se concentram para atender a uma grande região, e os “Community Centers”, também conhecidos como “Strip Malls”
Os Strip Malls, como o nome diz, são “shoppings em linha”, com vitrines voltadas para fora, sem corredores cobertos e com estacionamento na frente das lojas, estando localizados em vias com grande fluxo de carros. Nos Estado Unidos, que tem um modelo de urbanização bastante singular, com enormes subúrbios residenciais, os Strip Malls são considerados como o varejo de bairro, a opção mais próxima e mais conveniente para o atendimento das compras e dos serviços cotidianos.
Assim, é importante notar que, apesar do varejo físico estar sofrendo uma disrupção devido ao e-commerce, que cresceu 35% em 2020, nos EUA, os principais segmentos afetados são aqueles mais facilmente substituídos pelo comércio on-line: grandes Malls (tipicamente, focados em lojas de departamento, artigos para casa, eletrônicos e vestuário), Outlets e Power Centers. Os Strip Malls, por sua vez, sofreram um impacto bem menor em função de:
Nesse sentido, tradicionalmente, os Strip Malls têm se focado em serviços e conveniência, em inquilinos como academias, clínicas, restaurantes, salões de beleza e supermercados. Sobre este último item, apesar de muitos consumidores já estarem adotando o e-commerce para suas compras de supermercado, outros tantos ainda preferem fazer suas compras de alimentos em lojas físicas e, mesmo aqueles que já adotam a compra pela internet, acabam sendo abastecidos pelo mesmo supermercado local, já que a velocidade na entrega e o frescor dos alimentos são fatores importantes.
Fenômeno semelhante, impulsionado pela pandemia, foi a transformação desses varejistas de bairro em pequenos centros de distribuição “last mile” para o próprio comércio on-line, aproveitando-se de seu espaço, proximidade com os consumidores e posicionamento junto a grandes rodovias locais. Dessa forma, mesmo com a competição mais acirrada, os Strip Malls têm se mostrado um dos formatos de varejo mais resilientes nos EUA.
Após um período de lojas fechadas e de vendas fracas, no início da pandemia, houve forte recuperação do varejo físico, especialmente nos Strip Malls. Com o término da vacinação em massa nos EUA, em 2021, houve uma volta gradual dos consumidores a restaurantes e lojas físicas, conforme foi sendo reestabelecida a confiança da população em frequentar locais públicos.
Outro ponto importante é que a pandemia causou uma poupança forçada das pessoas, que passaram a ter sobra de recursos para gastar no varejo. Ambos os efeitos causaram aumento no tráfego nos centros comerciais, o que beneficiou tanto inquilinos quanto proprietários.
Com a alta da inflação, é provável que haja um abrandamento nos gastos dos consumidores. Entretanto, a expectativa é que os Strip Malls ainda sejam resilientes graças ao foco nos itens essenciais, em serviços cotidianos e pela conveniência que oferecem.
Isso vem se provando por diversas métricas, compiladas pela Green Street, importante fonte de informação do setor:
De forma geral, as incertezas trazidas pela pandemia estimularam a venda de alguns ativos a preços descontados devidos a diversos fatores como:
Entretanto, após um período de turbulência inicial, a grande maioria dos Strip Malls voltou à normalidade, nos EUA, com novos contratos de locação e fluxo de caixa estável, especialmente nas regiões em crescimento e nas regiões que reabriram a economia mais rapidamente. Além disso, diversos gestores de propriedades se adaptaram melhor ao cenário de vendas online, com mais inquilinos adotando modelos de vendas omnichannel e maior foco em serviços essenciais, estritamente presenciais e relacionados à experiência dos consumidores.
Por outro lado, diversos investidores passaram a focar mais seu portfólio de investimento em imóveis multifamiliares e industriais, vistos como mais defensivos após a pandemia. Em particular, investidores institucionais grandes, em geral, não especializados e com pouca capacidade de diferenciar ativos muito afetados de ativos pouco ou não afetados pelo e-commerce, reforçaram uma pressão de venda no mercado de imóveis de varejo. Essa situação criou diversas oportunidades de investimento no segmento de varejo, especialmente em Strip Malls, uma vez que se tem, de um lado, fluxos de caixa estáveis, em contratos longos com bons inquilinos e, de outro, preços relativamente mais baixos para esses ativos – uma combinação que oferece retornos mais interessantes com risco controlado.
Dadas as oportunidades que vem surgindo aos operadores especializados, a estratégia de avaliação e seleção de ativos para investimento precisa ser bastante cuidadosa. Nesse sentido, pesam dois fatores bastante relevantes: o submercado em que se encontra a propriedade e o mix de inquilinos, ambos discutidos a seguir.
Como em qualquer segmento do setor imobiliário, a localização dos Strip Malls é um fator importante na seleção de oportunidades, devendo ser priorizados os mercados densamente povoados com população de renda mais alta ou que estejam em forte expansão populacional e de postos de trabalho. Estes são considerados mais resilientes e, portanto, os últimos a sofrer com eventuais choques. Apesar da proliferação das compras online e do comércio eletrônico, os shoppings de bairro continuam sendo componentes vitais de suas comunidades.
Quanto ao mix de inquilinos, deve-se privilegiar inquilinos-âncora pertencentes a redes nacionais e regionais, em detrimento de negócios locais, tipicamente menos profissionalizados e com menos acesso a capital. A busca por inquilinos de grandes redes também tem como motivação as garantias de pagamento dos aluguéis dadas pelas matrizes, que têm capital aberto e situação financeira bem conhecida. Encontrar inquilinos que forneçam serviços presenciais que não podem ser oferecidos on-line também é chave para o sucesso, garantindo uma baixa competição com o e-commerce. Por fim, é aconselhável também que o maior inquilino não represente uma parcela tão grande da receita e que os contratos maturem em datas diversas, de forma a ser mais fácil absorver a saída eventual de algum deles.
Apesar da competição com o varejo on-line e do impacto inicial da pandemia, a grande maioria dos Strip Malls permanece saudável e atrativa aos consumidores. Por outro lado, a fuga de alguns investidores desse mercado reduziu os preços dos ativos gerando boas oportunidades de aquisição. Assim, o investimento nesse tipo de imóvel, acompanhado de uma diligência robusta, pode entregar um bom fluxo de caixa estável ao investidor, com o colateral do crédito de algumas das maiores empresas de varejo dos EUA. Estes contratos normalmente possuem cláusulas de reajuste atrelados à inflação e/ou ao resultado das vendas das lojas, o que, indiretamente, também tende a crescer pelo aumento de preços. Ou seja, quando selecionados corretamente, estes ativos oferecem fluxo de caixa estável, risco controlado e proteção inflacionária, atributos bastante interessantes para o momento de instabilidade atual.
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Sócio responsável técnico pela área de análise das oportunidades de investimento imobiliário nos EUA. Anteriormente, ocupou posições de liderança em consultorias e incorporadoras, na área de avaliação de investimentos. Tem mestrado em Real Estate Finance, pela Universidade de Amsterdam, e Full-time MBA pela Coppead-UFRJ. É formado em economia pela UFRJ.
Gerente de investimentos imobiliários e associado da Ativore. Responsável pela prospecção e análise de novas oportunidades de investimento para alocação de capital. Anteriormente trabalhou na tesouraria de empresas de referência em seus ramos de atuação. É economista pela UFRJ, com parte da graduação cursada no King’s College London.
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